Seminário
Feitiço(s) do(s) Tempo(s): escravidão, malefício, cura
Charms of the Time: slavery, witchcraft, healing
Terça-feira, 29 de Setembro, 9h
PPGAS/Museu Nacional
Rio de Janeiro
Feitiço(s) do(s) Tempo(s): escravidão, malefício, cura
Charms of the Time: slavery, witchcraft, healing
Terça-feira, 29 de Setembro, 9h
PPGAS/Museu Nacional
Rio de Janeiro
Como estudos sobre práticas designadas obeah/obia no Caribe e feitiço em algumas regiões do Brasil, conceitos que conectam dimensões mágicas associadas à cura, à feitiçaria e à rebelião em sociedades escravistas e pós-escravistas, têm articulado perspectivas históricas e antropológicas na problematização de categorias como tempo, temporalidade, história, passado e presente ? Como esses planos de ação são utilizados, materializados e circulado, tornando-se artefatos poderosos utilizados na transformação das pessoas e das relações nas quais elas estão enredadas ? Reunindo pesquisadores de várias instituições, o encontro é parte das atividades do Projeto Transformação e Materialidades no Caribe e visa dar continuidade a diálogos envolvendo as histórias e as antropologias das sociedades do pós-emancipação.
Programação
A doença da escravidão: calundus e a terapêutica centro-africana na América portuguesa nos séculos XVII e XVIII
Alexandre Marcussi (Doutor, USP)
O feitiço/feitio da palavra: metáforas pelas quais se vive-migra-morre-e-cura no baixo Rio Congo e nas senzalas do Brasil escravista
Robert W. Slenes (UNICAMP)
The Cultural Politics of Obeah: From Slavery to Independence
Diana Paton (Newcastle University)
Magia, Dinheiro e Estereótipos: Efeitos dos Baccoo/Bakulu nas Guianas
Marcelo Moura Mello (UFBA) e Rogério Pires (UFMG)
Organização:
Olívia Gomes da Cunha (LAH/PPGAS, Museu Nacional,UFRJ)
Robert W. Slenes (UNICAMP)
A doença da escravidão: calundus e a terapêutica centro-africana na América portuguesa nos séculos XVII e XVIII
Alexandre Marcussi (Doutor, USP)
O feitiço/feitio da palavra: metáforas pelas quais se vive-migra-morre-e-cura no baixo Rio Congo e nas senzalas do Brasil escravista
Robert W. Slenes (UNICAMP)
The Cultural Politics of Obeah: From Slavery to Independence
Diana Paton (Newcastle University)
Magia, Dinheiro e Estereótipos: Efeitos dos Baccoo/Bakulu nas Guianas
Marcelo Moura Mello (UFBA) e Rogério Pires (UFMG)
Organização:
Olívia Gomes da Cunha (LAH/PPGAS, Museu Nacional,UFRJ)
Robert W. Slenes (UNICAMP)
A doença da escravidão: calundus e a terapêutica centro-africana na América portuguesa nos séculos XVII e XVIII
The disease of slavery: calundus and Central African therapeutics in Brazil, 17th-18th centuries
Alexandre Marcussi (Doutor, USP)
Dentre as manifestações religiosas praticadas por escravos e libertos na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, ganham destaque na documentação eclesiástica os calundus, cerimônias divinatórias e terapêuticas de origem centro-africana de ampla disseminação na sociedade colonial. Esta comunicação intenta discutir os fundamentos cosmológicos dos calundus coloniais, solidamente radicados nas culturas centro-africanas. Pretendo sugerir que, por meios dessas cerimônias religiosas, muitos centro-africanos buscaram curar aflições espirituais associadas à existência do escravismo e do comércio de escravos no mundo atlântico português.
Among all religious practices performed by slaves and freed people in Brazil during the 17th and 18th centuries, "calundus" received a great deal of attention from ecclesiastical institutions. Those were divinatory and therapeutical ceremonies of Central African origin which were widely practiced in Brazilian colonial society. This paper aims to discuss the characteristically Central African cosmological principles underlying colonial calundus. I will argue that Central African slaves and freed people used these religious practices in order to address and cure spiritual afflictions associated to the existence of slavery and slave trade in the Portuguese Atlantic world.
O feitiço/feitio da palavra: metáforas pelas quais se vive-migra-morre-e-cura no baixo Rio Congo e nas senzalas brasileiras do século XIX
The Charms of the Word: Metaphors one lives, migrates, dies and cures by in the lower Congo River and in the slave quarters of 19th century Brazil
(Robert W. Slenes, UNICAMP)
G. Lakoff e M. Johnson propõem que cada grupo cultural tem uma floresta de "metáforas pelas quais se vive" (Metaphors we Live By) enraizada em sua experiência histórica. W. MacGaffey argumenta que até recentemente em Kikongo (a língua dos Kongo no baixo Rio Congo) e nas línguas bantu em geral, a maioria tonais, as semelhanças fonéticas entre palavras de “melodias” diferentes revelavam ligações ontológicas entre as coisas designadas. O fato expandia enormemente o leque de "metáforas pelas quais se vive" – metáforas inintelegíveis para quem não conhecia a língua (no caso Kikongo) ou um idioma próximo (Kimbundu ou outra língua da África centro-ocidental). “Factícias” como todas as metáforas, ou seja, produzidas pela imaginação (do Latin factitius, “feito pela arte, artificial” – a raiz também de “feitiço”), estas tinham uma particularidade; ao identificarem as ligações entre as essências das entidades nomeadas, conferiam ao verbo um poder extraordinário de “feitiar” (dotar de feitio) as coisas.
Pretendo traçar certas continuidades metafóricas – jogos de palavras para entender e moldar o mundo – entre a “Zona Atlântica” da África Central, em particular a região do antigo Reino do Kongo, e as senzalas das grandes fazendas do sudeste brasileiro no século XIX. Nestas, até 1850, os escravizados adultos na sua grande maioria eram da África Central (destacando-se falantes de Kikongo e Kimbundu) e enfrentavam condições de vida e trabalho duríssimas, que ofereciam poucas chances de alforria. Enfoco: 1) os mitos e metáforas de migração e continuidade linhageira criados no contexto da expansão bantu (histórias de viagens forçadas em grandes canoas – malungu em Kikongo e Kimbundu – cada uma levando a fundadora de uma matrilinhagem); 2) o conjunto de palavras e metáforas em torno de ritos de passagem, em particular nos “grandes cultos medicinais” (cultos de aflição/fruição de base territorial e de feições politico-religiosas) que surgiam na região do baixo Congo para curar os males causados por crises ecológicas ou sociais, e que reapareciam, com características semelhantes, no Brasil escravista; 3) a mobilização de metáforas daqueles cultos — de migração e reconfiguração de parentesco e de morte e renascimento — como armas contra a ameaça de morte social no navio negreiro e na senzala brasileira; 4) em ambos os lados do Atlântico, a reinterpretação dentro de matrizes centro-africanas de símbolos e imagens cristãos, em especial aqules referentes a Santo Antonio, também como estratégia de sobrevivência.
G. Lakoff and M. Johnson propose that every cultural group has a forest of Metaphors we Live By rooted in their historical experience. W. MacGaffey argues that until recently in Kikongo, the language of the Kongo in the lower Congo River, as generally in the Bantu languages (the majority tonal), phonetic similarities between words of different "melodies" revealed ontological links between thei things they designated. This enormously expanded the range of "metaphors we live by" — metaphors unintelligible to those who did not know Kikongo or a closely-related tongue, such as Kimbundu or another language of western Central Africa. "Factitious" as all metaphors, that is, produced by the imagination (from Latin factitius, "made by art, artificial" — the root also of Portuguese feitiço, "charm"), these similes were nonetheless peculiar; in pointing to the ties between the essences of the entities named, they gave the Word extraordinary power to "shape the characteristics" (Portuguese feitiar, dotar defeitio) of things.
I intend to trace certain metaphorical continuities — word play to understand and mold the world — between the "Atlantic Zone" of Central Africa, in particular the region of the Old Kingdom of Kongo, and the slave quarters of the large plantations of Brazil's Southeast during the 19th century. In the latter, until 1850, the great majority of enslaved adults were from Central Africa (Kikongo and Kimbundu speakers being particularly salient) and experienced extremely hard living and working conditions which offered little chance of manumission. I focus on: 1) the myths and metaphors of migration and lineage continuity created in the context of the Bantu expansion (stories about travels under duress in large canoes — malungu in Kikongo and Kimbundu — each one carrying the founding mother of a matrilineage); 2) the set of words and metaphors defining rites of passage, particularly in the "large medicinal cults" (territorial-based cults of affliction/fruition, of a political-religious nature) that arose in the lower Congo to cure the ills caused by ecological or social crises and that reappeared with similar characteristics under slavery in Brazil; 3) the mobilization of metaphors from these cults — metaphors of migration and reconfiguration of kinship and of death and rebirth — as arms against the menace of social death in the slave ship and within the Brazilian slave quarters; 4) on both sides of the Atlantic, likewise as a stategy of survival, the reinterpretation of Christian symbols and images, especially those regarding Saint Anthony, within a Central African matrix.
The Cultural Politics of Obeah: From Slavery to Independence
A Cultura Política do Obeah: da escravidão à independência
Diana Paton (Newcastle University)
The presentation will examine the changing formation of obeah in the Anglo-Creole Caribbean, from the mid-eighteenth century to the independence period. Drawing on records of prosecutions, the paper will show that there were important continuities in Caribbean practices of spiritual healing, but will also demonstrate innovations incorporated into the idea of obeah in the twentieth century. State policy towards obeah changed significantly over time: practices that were never prosecuted during the slavery period often led to prison sentences or floggings in the twentieth century. Discussions of obeah also played significant roles in Caribbean and Atlantic debates about freedom and political power, from the discussion of the slave trade in the eighteenth century, through the Moyne Commission of the 1930s, to struggles over democratisation in the post-independence period.
A apresentação examina as alterações na constituição do obeah no Caribe Anglófono, de meados do século XIX ao período da Independência. Apoiada em registros de repressão, o papel mostrará não somente as importantes continuidades nas práticas de cura espiritual no Caribe, mas, também, demonstrará que inovações foram incorporadas à ideia de obeah no século XX. A política do estado diante do obeah mudou significativamente ao longo do tempo: práticas que não eram perseguidas durante o período da escravidão, conduziram a sentenças de prisão ou açoitamento no século XX. Discussões sobre obeah também tiveram papel importante nos debates sobre liberdade e poder político no Caribe e no Atlântico, da discussão sobre tráfico escravo no século XVIII, passando pela Comissão Moyne na década de 30, às lutas pela democratização no período pós-independência.
Magia, Dinheiro e Estereótipos: Efeitos dos Baccoo/Bakulu nas Guianas
Magic, Money and Stereotypes: Baccoo/Bakulu Effects in the Guianas
Marcelo Moura Mello (UFBA) e Rogério Pires (UFMG)
Pelas Guianas, as pessoas falam sobre uma variedade de demônio ou de presença espiritual cotidianamente presente em suas vidas: o Baccoo (na Guyana), Bakru (na costa do Suriname) ou Bakulu (entre os Saamaka do Alto Suriname). Ele é descrito como um ser de baixa estatura, de cabeça grande, que pode trazer riqueza e dinheiro para seu dono, mas que, sendo perverso por natureza, pode também trazer morte e infortúnios, se destratado. Alguns dizem que sua pele tem a textura de madeira, ou que seu corpo é hirsuto; alguns dizem que ele se alimenta de leite e de bananas, outros que ele nutre-se da carne de uma criança primogênita. Os maroons do Suriname dizem que os bakulu são comprados de comerciantes ricos de origem indiana; os guianeses (tanto os de ascendência africana quanto os de ascendência indiana) dizem que os baccoo são obtidos através dos maroons surinameses, que os capturam usando “obeah” e os vendem para aqueles que desejam enriquecer rapidamente.
Baseando-se principalmente em trabalho de campo com indo-guianeses da costa e com os Saamaka do Alto Suriname, nossa apresentação tratará das convergências e divergências nas interpretações, histórias e concepções da “mesma” criatura por povos diferentes que coabitam o espaço das Guianas. Traçaremos efeitos da agência dos bacoo/bakulu na vida dessas pessoas, perguntando-se o que as distintas versões do “mesmo” demônio, nas margens opostas do rio Courantyne, dizem sobre as relações entre essas populações, mediadas por magia, dinheiro e estereótipos, na complexa conjuntura pós-colonial das Guianas.
Throughout the Guianas, people speak of a variety of demon or spirit presence in their daily life: the Baccoo (in Guyana), Bakru (in coastal Suriname) or Bakulu (among the Saamaka in Upper Suriname). It is described as small in stature and big-headed. It can bring money and fortune to its owner but, being evil in nature, it can also bring about death and suffering if mistreated. Some say its skin is the texture of wood, with a hirsute body; some say it feeds on milk and bananas, others that it feeds on the flesh of a firstborn baby. The maroons in Suriname say they are bought from rich shopkeepers of East Indian descent; the Guyanese (both of African and East Indian descent) say they are obtained from the maroons of Suriname, who, using “obeah”, capture and sell them to people that desire to get rich fastly.
Mainly based on fieldwork done with coastal Indo-Guyanese in Guyana and with the Saamaka of Upper Suriname, our paper will approach the convergences and divergences in interpretations, histories and conceptions of the “same” creature by different folk cohabiting the broad milieu of the Guianas. We will trace the effects of the bacoo/bakulu's agency in the lives of these people, asking what does the different versions of the “same” demon, in the opposing sides of the Courantyne river, tells us about the relation between these populations, as mediated by magic, money, and stereotypes, in the complex postcolonial conjuncture of the Guianas.
The disease of slavery: calundus and Central African therapeutics in Brazil, 17th-18th centuries
Alexandre Marcussi (Doutor, USP)
Dentre as manifestações religiosas praticadas por escravos e libertos na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, ganham destaque na documentação eclesiástica os calundus, cerimônias divinatórias e terapêuticas de origem centro-africana de ampla disseminação na sociedade colonial. Esta comunicação intenta discutir os fundamentos cosmológicos dos calundus coloniais, solidamente radicados nas culturas centro-africanas. Pretendo sugerir que, por meios dessas cerimônias religiosas, muitos centro-africanos buscaram curar aflições espirituais associadas à existência do escravismo e do comércio de escravos no mundo atlântico português.
Among all religious practices performed by slaves and freed people in Brazil during the 17th and 18th centuries, "calundus" received a great deal of attention from ecclesiastical institutions. Those were divinatory and therapeutical ceremonies of Central African origin which were widely practiced in Brazilian colonial society. This paper aims to discuss the characteristically Central African cosmological principles underlying colonial calundus. I will argue that Central African slaves and freed people used these religious practices in order to address and cure spiritual afflictions associated to the existence of slavery and slave trade in the Portuguese Atlantic world.
O feitiço/feitio da palavra: metáforas pelas quais se vive-migra-morre-e-cura no baixo Rio Congo e nas senzalas brasileiras do século XIX
The Charms of the Word: Metaphors one lives, migrates, dies and cures by in the lower Congo River and in the slave quarters of 19th century Brazil
(Robert W. Slenes, UNICAMP)
G. Lakoff e M. Johnson propõem que cada grupo cultural tem uma floresta de "metáforas pelas quais se vive" (Metaphors we Live By) enraizada em sua experiência histórica. W. MacGaffey argumenta que até recentemente em Kikongo (a língua dos Kongo no baixo Rio Congo) e nas línguas bantu em geral, a maioria tonais, as semelhanças fonéticas entre palavras de “melodias” diferentes revelavam ligações ontológicas entre as coisas designadas. O fato expandia enormemente o leque de "metáforas pelas quais se vive" – metáforas inintelegíveis para quem não conhecia a língua (no caso Kikongo) ou um idioma próximo (Kimbundu ou outra língua da África centro-ocidental). “Factícias” como todas as metáforas, ou seja, produzidas pela imaginação (do Latin factitius, “feito pela arte, artificial” – a raiz também de “feitiço”), estas tinham uma particularidade; ao identificarem as ligações entre as essências das entidades nomeadas, conferiam ao verbo um poder extraordinário de “feitiar” (dotar de feitio) as coisas.
Pretendo traçar certas continuidades metafóricas – jogos de palavras para entender e moldar o mundo – entre a “Zona Atlântica” da África Central, em particular a região do antigo Reino do Kongo, e as senzalas das grandes fazendas do sudeste brasileiro no século XIX. Nestas, até 1850, os escravizados adultos na sua grande maioria eram da África Central (destacando-se falantes de Kikongo e Kimbundu) e enfrentavam condições de vida e trabalho duríssimas, que ofereciam poucas chances de alforria. Enfoco: 1) os mitos e metáforas de migração e continuidade linhageira criados no contexto da expansão bantu (histórias de viagens forçadas em grandes canoas – malungu em Kikongo e Kimbundu – cada uma levando a fundadora de uma matrilinhagem); 2) o conjunto de palavras e metáforas em torno de ritos de passagem, em particular nos “grandes cultos medicinais” (cultos de aflição/fruição de base territorial e de feições politico-religiosas) que surgiam na região do baixo Congo para curar os males causados por crises ecológicas ou sociais, e que reapareciam, com características semelhantes, no Brasil escravista; 3) a mobilização de metáforas daqueles cultos — de migração e reconfiguração de parentesco e de morte e renascimento — como armas contra a ameaça de morte social no navio negreiro e na senzala brasileira; 4) em ambos os lados do Atlântico, a reinterpretação dentro de matrizes centro-africanas de símbolos e imagens cristãos, em especial aqules referentes a Santo Antonio, também como estratégia de sobrevivência.
G. Lakoff and M. Johnson propose that every cultural group has a forest of Metaphors we Live By rooted in their historical experience. W. MacGaffey argues that until recently in Kikongo, the language of the Kongo in the lower Congo River, as generally in the Bantu languages (the majority tonal), phonetic similarities between words of different "melodies" revealed ontological links between thei things they designated. This enormously expanded the range of "metaphors we live by" — metaphors unintelligible to those who did not know Kikongo or a closely-related tongue, such as Kimbundu or another language of western Central Africa. "Factitious" as all metaphors, that is, produced by the imagination (from Latin factitius, "made by art, artificial" — the root also of Portuguese feitiço, "charm"), these similes were nonetheless peculiar; in pointing to the ties between the essences of the entities named, they gave the Word extraordinary power to "shape the characteristics" (Portuguese feitiar, dotar defeitio) of things.
I intend to trace certain metaphorical continuities — word play to understand and mold the world — between the "Atlantic Zone" of Central Africa, in particular the region of the Old Kingdom of Kongo, and the slave quarters of the large plantations of Brazil's Southeast during the 19th century. In the latter, until 1850, the great majority of enslaved adults were from Central Africa (Kikongo and Kimbundu speakers being particularly salient) and experienced extremely hard living and working conditions which offered little chance of manumission. I focus on: 1) the myths and metaphors of migration and lineage continuity created in the context of the Bantu expansion (stories about travels under duress in large canoes — malungu in Kikongo and Kimbundu — each one carrying the founding mother of a matrilineage); 2) the set of words and metaphors defining rites of passage, particularly in the "large medicinal cults" (territorial-based cults of affliction/fruition, of a political-religious nature) that arose in the lower Congo to cure the ills caused by ecological or social crises and that reappeared with similar characteristics under slavery in Brazil; 3) the mobilization of metaphors from these cults — metaphors of migration and reconfiguration of kinship and of death and rebirth — as arms against the menace of social death in the slave ship and within the Brazilian slave quarters; 4) on both sides of the Atlantic, likewise as a stategy of survival, the reinterpretation of Christian symbols and images, especially those regarding Saint Anthony, within a Central African matrix.
The Cultural Politics of Obeah: From Slavery to Independence
A Cultura Política do Obeah: da escravidão à independência
Diana Paton (Newcastle University)
The presentation will examine the changing formation of obeah in the Anglo-Creole Caribbean, from the mid-eighteenth century to the independence period. Drawing on records of prosecutions, the paper will show that there were important continuities in Caribbean practices of spiritual healing, but will also demonstrate innovations incorporated into the idea of obeah in the twentieth century. State policy towards obeah changed significantly over time: practices that were never prosecuted during the slavery period often led to prison sentences or floggings in the twentieth century. Discussions of obeah also played significant roles in Caribbean and Atlantic debates about freedom and political power, from the discussion of the slave trade in the eighteenth century, through the Moyne Commission of the 1930s, to struggles over democratisation in the post-independence period.
A apresentação examina as alterações na constituição do obeah no Caribe Anglófono, de meados do século XIX ao período da Independência. Apoiada em registros de repressão, o papel mostrará não somente as importantes continuidades nas práticas de cura espiritual no Caribe, mas, também, demonstrará que inovações foram incorporadas à ideia de obeah no século XX. A política do estado diante do obeah mudou significativamente ao longo do tempo: práticas que não eram perseguidas durante o período da escravidão, conduziram a sentenças de prisão ou açoitamento no século XX. Discussões sobre obeah também tiveram papel importante nos debates sobre liberdade e poder político no Caribe e no Atlântico, da discussão sobre tráfico escravo no século XVIII, passando pela Comissão Moyne na década de 30, às lutas pela democratização no período pós-independência.
Magia, Dinheiro e Estereótipos: Efeitos dos Baccoo/Bakulu nas Guianas
Magic, Money and Stereotypes: Baccoo/Bakulu Effects in the Guianas
Marcelo Moura Mello (UFBA) e Rogério Pires (UFMG)
Pelas Guianas, as pessoas falam sobre uma variedade de demônio ou de presença espiritual cotidianamente presente em suas vidas: o Baccoo (na Guyana), Bakru (na costa do Suriname) ou Bakulu (entre os Saamaka do Alto Suriname). Ele é descrito como um ser de baixa estatura, de cabeça grande, que pode trazer riqueza e dinheiro para seu dono, mas que, sendo perverso por natureza, pode também trazer morte e infortúnios, se destratado. Alguns dizem que sua pele tem a textura de madeira, ou que seu corpo é hirsuto; alguns dizem que ele se alimenta de leite e de bananas, outros que ele nutre-se da carne de uma criança primogênita. Os maroons do Suriname dizem que os bakulu são comprados de comerciantes ricos de origem indiana; os guianeses (tanto os de ascendência africana quanto os de ascendência indiana) dizem que os baccoo são obtidos através dos maroons surinameses, que os capturam usando “obeah” e os vendem para aqueles que desejam enriquecer rapidamente.
Baseando-se principalmente em trabalho de campo com indo-guianeses da costa e com os Saamaka do Alto Suriname, nossa apresentação tratará das convergências e divergências nas interpretações, histórias e concepções da “mesma” criatura por povos diferentes que coabitam o espaço das Guianas. Traçaremos efeitos da agência dos bacoo/bakulu na vida dessas pessoas, perguntando-se o que as distintas versões do “mesmo” demônio, nas margens opostas do rio Courantyne, dizem sobre as relações entre essas populações, mediadas por magia, dinheiro e estereótipos, na complexa conjuntura pós-colonial das Guianas.
Throughout the Guianas, people speak of a variety of demon or spirit presence in their daily life: the Baccoo (in Guyana), Bakru (in coastal Suriname) or Bakulu (among the Saamaka in Upper Suriname). It is described as small in stature and big-headed. It can bring money and fortune to its owner but, being evil in nature, it can also bring about death and suffering if mistreated. Some say its skin is the texture of wood, with a hirsute body; some say it feeds on milk and bananas, others that it feeds on the flesh of a firstborn baby. The maroons in Suriname say they are bought from rich shopkeepers of East Indian descent; the Guyanese (both of African and East Indian descent) say they are obtained from the maroons of Suriname, who, using “obeah”, capture and sell them to people that desire to get rich fastly.
Mainly based on fieldwork done with coastal Indo-Guyanese in Guyana and with the Saamaka of Upper Suriname, our paper will approach the convergences and divergences in interpretations, histories and conceptions of the “same” creature by different folk cohabiting the broad milieu of the Guianas. We will trace the effects of the bacoo/bakulu's agency in the lives of these people, asking what does the different versions of the “same” demon, in the opposing sides of the Courantyne river, tells us about the relation between these populations, as mediated by magic, money, and stereotypes, in the complex postcolonial conjuncture of the Guianas.
Local:
Sala Roberto Cardoso de Oliveira
Quinta da Boa Vista, s/n. Museu Nacional - UFRJ. São Cristóvão, Rio de Janeiro/RJ
Apoio:
PPGAS/MN/UFRJ
CNPq
Informações:
[email protected]
Sala Roberto Cardoso de Oliveira
Quinta da Boa Vista, s/n. Museu Nacional - UFRJ. São Cristóvão, Rio de Janeiro/RJ
Apoio:
PPGAS/MN/UFRJ
CNPq
Informações:
[email protected]
Alexandre Marcussi, historiador, atuante na área de história cultural da escravidão e da África, com Mestrado (2010) e Doutorado (2015) em História Social pela Universidade de São Paulo. Atuou profissionalmente como docente no Ensino Superior e na área de patrimônio cultural. Alguns temas relevantes em sua produção acadêmica incluem História do Brasil Colonial, História de Angola, religiões afro-brasileiras, Historiografia e Antropologia das culturas afro-americanas, Inquisição e Império Português.
Robert Slenes é professor colaborador no Departamento de História da Unicamp. Doutorou-se em Stanford University com tese sobre “A demografia e a economia da escravidão no Brasil, 1850-1888” (1976). Sua pesquisa posterior tem se concentrado na história social da escravidão, com ênfase, desde o final dos anos 1980, na experiência dos centro-africanos na diáspora. Suas publicações incluem o livro Na Senzala, uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava – Brasil Sudeste, Século XIX (1999; 2a ed., 2011) e vários artigos que, revistos, são capítulos de um volume em elaboração sobre cultura centro-africana e identidade escrava nas plantations do Sudeste.
Robert Slenes is a collaborating professor in the History Department of the São Paulo State University of Campinas. He received his doctorate from Stanford University with a thesis on “The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1888” (1976). His subsequent research has concentrated on the social history of slavery, with an emphasis, since the late 1980s, on the experience of Central Africans in the diaspora. His publications include a book on the slave family in Brazil’s Southeast during the nineteenth century – Na senzala, uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava (1999; 2nd ed., 2011) – and several articles which, in revised form, will be chapters in a study on Central African culture and slave identity in the plantations of the Southeast.
Diana Paton is Reader in Caribbean History at Newcastle University in the UK. She received her PhD in History from Yale University in 2000. She is author of The Cultural Politics of Obeah: Religion, Politics and Modernity in the Caribbean World, published by Cambridge University Press in August 2015, and of No Bond but the Law: Punishment, Race and Gender in Jamaican State Formation (2004), and has edited two collections of essays, Gender and Slave Emancipation in the Atlantic World (with Pamela Scully, 2005) and Obeah and Other Powers: The Politics of Caribbean Religion and Healing (2012). She is a member of the History Workshop editorial collective and of the editorial board of Slavery and Abolition.
Rogério Brittes W. Pires - Doutor e mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ, defendeu uma dissertação acerca do conceito de fetiche na literatura sobre as Religiões Afro-americanas e da África Ocidental, e uma tese sobre rituais funerários entre os Saamaka do Alto Suriname. Publicou oito artigos sobre esses e outros assuntos, e atualmente é pesquisador em nível pós-doutoral na UFMG.
Marcelo Moura Mello é mestre (Unicamp, 2008) e doutor (Museu Nacional/UFRJ, 2014) em antropologia social. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Antropologia e Etnologia da UFBA. Tem experiência de pesquisa etnográfica com comunidades remanescentes de quilombos no sul do Brasil e com descendentes de indianos na Guiana (antiga Guiana Inglesa).
Robert Slenes é professor colaborador no Departamento de História da Unicamp. Doutorou-se em Stanford University com tese sobre “A demografia e a economia da escravidão no Brasil, 1850-1888” (1976). Sua pesquisa posterior tem se concentrado na história social da escravidão, com ênfase, desde o final dos anos 1980, na experiência dos centro-africanos na diáspora. Suas publicações incluem o livro Na Senzala, uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava – Brasil Sudeste, Século XIX (1999; 2a ed., 2011) e vários artigos que, revistos, são capítulos de um volume em elaboração sobre cultura centro-africana e identidade escrava nas plantations do Sudeste.
Robert Slenes is a collaborating professor in the History Department of the São Paulo State University of Campinas. He received his doctorate from Stanford University with a thesis on “The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-1888” (1976). His subsequent research has concentrated on the social history of slavery, with an emphasis, since the late 1980s, on the experience of Central Africans in the diaspora. His publications include a book on the slave family in Brazil’s Southeast during the nineteenth century – Na senzala, uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava (1999; 2nd ed., 2011) – and several articles which, in revised form, will be chapters in a study on Central African culture and slave identity in the plantations of the Southeast.
Diana Paton is Reader in Caribbean History at Newcastle University in the UK. She received her PhD in History from Yale University in 2000. She is author of The Cultural Politics of Obeah: Religion, Politics and Modernity in the Caribbean World, published by Cambridge University Press in August 2015, and of No Bond but the Law: Punishment, Race and Gender in Jamaican State Formation (2004), and has edited two collections of essays, Gender and Slave Emancipation in the Atlantic World (with Pamela Scully, 2005) and Obeah and Other Powers: The Politics of Caribbean Religion and Healing (2012). She is a member of the History Workshop editorial collective and of the editorial board of Slavery and Abolition.
Rogério Brittes W. Pires - Doutor e mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ, defendeu uma dissertação acerca do conceito de fetiche na literatura sobre as Religiões Afro-americanas e da África Ocidental, e uma tese sobre rituais funerários entre os Saamaka do Alto Suriname. Publicou oito artigos sobre esses e outros assuntos, e atualmente é pesquisador em nível pós-doutoral na UFMG.
Marcelo Moura Mello é mestre (Unicamp, 2008) e doutor (Museu Nacional/UFRJ, 2014) em antropologia social. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Antropologia e Etnologia da UFBA. Tem experiência de pesquisa etnográfica com comunidades remanescentes de quilombos no sul do Brasil e com descendentes de indianos na Guiana (antiga Guiana Inglesa).
Da esquerda para a direita: Alexandre Marcussi, Robert Slenes, Rogério Pires e Diana Paton no Seminário Feitiço(s) do(s) Tempo(s): escravidão, malefício, cura, realizado no PPGAS/MN/UFRJ no do dia 29 de setembro de 2015. Foto: Flávia Carolina