Nos dias 28 e 29 de fevereiro o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Georgetown, capital da Guiana. O brasileiro foi o convidado especial da 46ª Cúpula de Chefes de Governo da Comunidade do Caribe, o Caricom, que possui sua sede na cidade. Eu havia chegado na Guiana há três semanas, retomando o trabalho de campo para minha pesquisa de doutorado, iniciada em 2022, em torno das controvérsias que envolvem a instalação da indústria petrolífera no país nos últimos anos. Marcelo Mello, colega antropólogo e professor, que também estava por aqui realizando pesquisa, propôs que fossemos tentar acompanhar a chegada de Lula na cidade. Como em campo tudo pode acontecer, pensei “por que não?”.
Saí de casa e peguei um minibus – principal modalidade de transporte público no país – em direção a Georgetown. No caminho de ida, ao passar pela rotatória de Kitty, localizada no principal ponto de entrada de Georgetown para quem vem da costa leste da região de Demerara e de Berbice, a chegada de Lula se anunciava. Rodeado por bandeiras da Guiana e do Brasil, um outdoor com as fotos de Irfaan Ali, presidente da Guiana, de um lado, e de Lula, do outro, dava as boas vindas ao presidente brasileiro. Já me aproximando do destino, desci do minibus e caminhei em direção ao hotel. As vias públicas que davam no Marriott receberam bandeiras dos países membros e territórios associados do Caricom e o trânsito era controlado por policiais. Na entrada do hotel, vejo um outdoor similar ao visto na rotatória e passo posso detectores de metal que recepcionavam os hóspedes e visitantes. Os detectores estavam ali ao menos desde a semana anterior, quando o hotel sediou a Guyana Energy Conference & Supply Chain Expo, evento que reuniu políticos, empresários e funcionários de empresas do ramo de Óleo e Gás. Já no hall, repórteres aguardavam em uma área exclusiva para a imprensa. Além de veículos guianenses e de outras partes do Caribe, notei a presença de jornalistas da GloboNews, CNN Brasil e R7. Seguranças, membros da equipe do governo brasileiro e funcionários da Embaixada Brasileira em Georgetown estavam espalhados em grande número pelo local e conversavam entre si. Marcelo já havia chegado e estava sentado em uma área com sofás. Ele me apresentou a um trio de empresários do Rio Grande do Norte que acabara de conhecer e que estava na Guiana para prospectar possibilidades de entrada no mercado local de Óleo e Gás. Os homens haviam chegado na noite anterior e comentavam impressionados sobre o número de caminhões que percorriam, já por volta da meia-noite, a estrada que liga o aeroporto à capital guianense – movimentação que também impressiona muitos dos guianenses com quem interajo por aqui, que não raramente comentam sobre os estragos que os veículos, cuja maior parte opera em apoio a crescente indústria de construção civil, fazem no asfalto do país. Enquanto conversávamos, chefes de Estado e dirigentes de países e territórios do Caricom chegavam ao hotel escoltados por policiais da polícia guianense. O modelo dos veículos pretos que os transportavam, Toyota Land Cruiser Prado, é conhecido entre os guianenses por ser o preferido da elite política local. Lembro que na semana anterior, durante a conferência do setor de Óleo e Gás, professores em greve que ocupavam uma rua próxima ao hotel gritavam e soavam suas cornetas e apitos com força especial cada vez que um desses veículos passava. Já naquele dia, a chegada parecia tranquila e à medida que entravam no hotel, os chefes de Estado subiam para o segundo andar, onde as atividades da Cúpula aconteciam. Em dado momento, alguém me chamou pelo meu nome. Surpreso, me virei e reconheci um antigo colega de graduação. Por um instante, imaginei que ele estivesse ali por conta do petróleo, mas ele logo me contou que fazia parte de um pequeno grupo da ABIN que desembarcou na cidade alguns dias antes para avaliar o cenário local e garantir a segurança da comitiva brasileira. Ele voltou ao trabalho e a movimentação que precedeu a chegada de Lula começou. Fomos avisados que deveríamos sair da área dos sofás, que foi liberada. O forte esquema de segurança e o número de funcionários do governo brasileiro dentro do hotel chamou a atenção de Marcelo, que o contrastou com o clima mais tranquilo que vivenciou em 2010, quando esteve com o presidente na Guiana em um evento cultural oferecido na Embaixada do Brasil, durante sua pesquisa de campo de doutorado. Assim que nos movemos para uma área no fundo do hall, uma cena notável se desenrolou: os chefes de Estado caribenhos desceram e se alinharam na entrada do hotel para aguardar a chegada de Lula. Do lado de fora, batedores (em número ainda maior) abriram caminho para o Toyota Prado que transportava Lula e a primeira-dama, Janja. Eles desceram e foram recebidos por Irfaan Ali, e logo depois o presidente brasileiro passou a cumprimentar os outros mandatários. Dei uma risadinha quando vi que Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, foi cumprimentada com dois beijinhos ao estilo brasileiro. Uma foto oficial do grupo foi tirada e o presidente seguiu em nossa direção, a caminho do elevador. Ao passar por nós, Marcelo o saudou com um “Presidente, universidade pública presente!”. Nervoso, consegui dizer apenas “Boa tarde, presidente, UFRJ presente! Como vai o senhor?” e rapidamente apertar sua mão, antes dele entrar no elevador. O objetivo daquela ida ao Marriott, que para mim era ver o presidente do Brasil em terras guianenses, no final foi apenas parte de tudo que pude observar por lá. O modo como o cerimonial foi organizado e conduzido deu indícios das posições hoje ocupadas pelos dois países, Guiana e Brasil. Além disso, pude escutar um pouco sobre as expectativas de empresários brasileiros no país e, após a subida do presidente para o seu quarto de hotel, trocar ideia sobre a Guiana com meu colega de graduação e seu colegas da ABIN, que mostraram ter feito uma extensa pesquisa sobre o cenário sociopolítico do país e, mais especificamente, de Georgetown. Para comemorar o bem sucedido dia de campo, Marcelo e eu fomos almoçar em um restaurante de comida I-tal (Rastafari) e fechamos com uma cerveja na área mais movimentada de Georgetown, a do mercado de Stabroek. De noite, já em casa, assisti o discurso de Lula na sessão especial daquele dia. O presidente ressaltou as proximidades entre o Brasil e o Caribe – “Belém, Boa Vista e Manaus estão mais próximas de capitais do Caribe do que de outras grandes cidades brasileiras” – e ressaltou querer retomar com os países do Caricom os projetos de cooperação sul-sul que marcaram os seus dois primeiros governos. O desejo, segundo Lula, é de “literalmente, pavimentar nosso caminho para o Caribe”, referindo-se em parte à estrada que liga Lethem, cidade da Guiana que faz fronteira com Roraima, a Georgetown. A pavimentação dessa estrada, promessa do governo guianense para seus cidadãos ao menos desde os anos 1980, é um dos muitos projetos de infraestrutura financiados com recursos oriundos da exploração petrolífera da costa da Guiana e atualmente é conduzido por uma empreiteira brasileira. Sobre isso, há muito o que se pensar, mas isso é tema para outra nota. O discurso de Lula na 46ª Cúpula do Caricom pode ser visto aqui https://www.youtube.com/watch?v=gSvubHfKclw&ab_channel=Poder360 ou lido aqui https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2024/discurso-na-sessao-de-encerramento-da-46a-conferencia-da-comunidade-do-caribe. Comments are closed.
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